jueves, 11 de noviembre de 2010

Poema "Amo A Una Mujer De Larga Cabellera" de Carlos Edmundo de Ory (In Memoriam)

Amo a una mujer de larga cabellera
Como en un lago me hundo en su rostro suave
En su vientre mi frente boga con lentitud
Palpo muerdo acaricio volúmenes sedosos
Registro cavidades me esponjo de su zumo
Mujer pantano mío araña tenebrosa
Laberinto infinito tambor palacio extraño
Eres mi hermana única de olvido y abandono
Tus pechos y tus nalgas de dobles montes gemelos
me brindan la blancura de paloma gigante
El amor que nos damos es de noche en la noche
En rotundas crudezas la cama nos reúne
Se levantan columnas de olor y de respiros
Trituro masco sorbo me despeño
El deseo florece entre tumbas abiertas
Tumbas de besos bocas o moluscos
Estoy volando enfermo de venenos
Reinando en tus membranas errante y enviciado
Nada termina nada empieza todo es triunfo
de la ternura custodiada de silencio
El pensamiento ha huido de nosotros
Se juntan nuestras manos como piedras felices
Está la mente quieta como inmóvil palmípedo
Las horas se derriten los minutos se agotan
No existe nada más que agonía y placer
Placer tu cara no habla sino que va a caballo
sobre un mundo de nubes en la cueva del ser
Somos mudos no estamos en la vida ridícula
Hemos llegado a ser terribles y divinos
Fabricantes secretos de miel en abundancia
Se oyen los gemidos de la carne incansable
En un instante oí la mitad de mi nombre
saliendo repentino e tus dientes unidos
En la luz puede ver la expresión de tu faz
que parecías otra mujer en aquel éxtasis
La oscuridad me pone furioso no te veo
No encuentro tu cabeza y no sé lo que toco
Cuatro manos se van con sus dueño dormidos
y lejos de ellas vagan también los cuatro pies
Ya no hay dueños no hay más que suspenso y vacío
El barco del placer encalla en alta mar
¿Dónde estás? ¿Dónde estoy? ¿Quién soy? ¿Quién eres?
Para siempre abandono este interrogatorio
Ebrio hechizado loco a las puertas del morbo
grandiosa la pasión espero el turno fálico
De nuevo en una habitación estamos juntos
Desnudos estupendos cómplices de la Muerte.

Poema "Fonemoramas" de Carlos Edmundo de Ory (In Memoriam)

Si canto soy un cantueso
Si leo soy un león
Si emano soy una mano
Si amo soy un amasijo
Si lucho soy un serrucho
Si como soy como soy
Si río soy un río de risa
Si duermo enfermo de dormir
Si fumo me fumo hasta el humo
Si hablo me escucha el diablo
Si miento invento una verdad
Si me hundo me Carlos Edmundo

martes, 26 de octubre de 2010

"EXTRAÑO OFICIO" de Juan Luis Panero

Poeta en tiempo de miseria,
en tiempo de mentira y de infidelidad.

José Ángel Valente
Poeta en tiempo de miseria, en tiempo de mentira
y de infidelidad, y de ellas, no altivo juez,
espectador atónito, menos aún, habitante alegre de la ignorancia.
Poeta de esta hora, testigo absorto tantas veces
de injusticia o de lágrimas, silencioso participante en ellas.
Trabajador de las palabras, levantando muros,
Cerradas cárceles donde sólo la memoria habita.
Letras y sílabas, torpemente aprendidas, elevándose
inútiles junto a la firme realidad de unas manos,
de unos ojos que piden simplemente vivir.
Extraño oficio, viejo como los árboles
y como las rocas firme, a través de los aciagos días,
hasta llegar a este momento, ante el blanco papel,
que antes fuera dorado pergamino,
canción de pueblo humildemente recordada.
Duro destino, ser voz sobre otros hombres,
pero también, vecino último de la propia infancia,
acobardada sombra entre la soledad y el sueño.
Apenas hoy, rincón oculto de ternura,
lugar bañado de risa y sol de estío,
se ofrecen al que de su vocación así dispuso.
Y el seco estampido de los disparos
o la apagada pupila frente al amanecer,
son historia ejemplar, iluminado aviso,
para aquel que, con sólo la verdad por cimiento,
construye terco su esperanza y la escribe
cuando camina hacia su fin.
Juan Luis Panero. A través del tiempo (1968)

lunes, 25 de octubre de 2010

"MADERA Y CENIZA" de Juan Luis Panero.

Hablamos de sórdida política o de alguien que acaba de llamar,
de los cambios del día y los golpes de la tramontana,
todo sin importancia o demasiado importante,
a veces aburrido y desde luego íntimo, poco grandilocuente.
Después de tantos años conocemos las preguntas y sus vagas respuestas,
pero aún así surgen las palabras, que se esfuman
como el humo de los cigarrillos o de la chimenea.
Impasible como la madera, indescifrable como la ceniza,
asisto a tu remota presencia -tan cercana-
sabiendo que tus labios y esta copa roja
sólo anuncian, reflejan, un tiempo de derrota.
                                                                               Los viajes sin fin (1993)

lunes, 18 de octubre de 2010

Dos poemas de Juan Gelman

Poco se sabe (Juan Gelman) -

yo no sabía que


no tenerte podía ser dulce como

nombrarte para que vengas aunque

no vengas y no haya sino

tu ausencia tan

dura como el golpe que

me di en la cara pensando en vos



Sefiní (Juan Gelman) -

basta por esta noche cierro

la puerta me pongo

el saco guardo

los papelitos donde

no hago sino hablar de ti

mentir sobre tu paradero

cuerpo que me has de temblar


domingo, 3 de octubre de 2010

Fernando Pessoa: Chuva Oblíqua

I. (A PAISAGEM)

Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas…
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado…
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol…
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo…
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro…
Não sei quem me sonho…
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma…

II. (O TEMPLO EM ORAÇÃO)

Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça…
Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vista de fora são o som da chuva ouvido por dentro…
O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar…
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no facto de haver coro…
A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste…
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel…
E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa…

III. (A GRANDE ESFINGE DO EGIPTO)

A Grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro…
Escrevo - e ela aparece-me através da minha mão transparente
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides…
Escrevo - perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Cheops…
De repente paro…
Escureceu tudo… Caio por um abismo feito de tempo…
Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro
E todo o Egipto me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena…
Ouço a Esfinge rir por dentro
O som da minha pena a correr no papel…
Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,
Varre tudo para o canto do tecto que fica por detrás de mim,
E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve
Jaz o cadáver do rei Cheops, olhando-me com olhos muito abertos,
E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo
E uma alegria de barcos embandeirados erra
Numa diagonal difusa
Entre mim e o que eu penso…
Funerais do rei Cheops em ouro velho e Mim!…

IV. (O QUARTO DO POETA)

Que pandeiretas o silêncio deste quarto!…
As paredes estão na Andaluzia…
Há danças sensuais no brilho fixo da luz…
De repente todo o espaço pára…,
Pára, escorrega, desembrulha-se…,
E num canto do tecto, muito mais longe do que ele está,
Abrem mãos brancas janelas secretas
E há ramos de violetas caindo
De haver uma noite de Primavera lá fora
Sobre o eu estar de olhos fechados…

V. (A FEIRA)

Lá fora vai um redemoinho de sol os cavalos do carroussel
Árvores, pedras, montes bailam parados dentro de mim…
Noite absoluta na feira iluminada, luar no dia de sol lá fora,
E as luzes todas da feira fazem ruído dos muros do quintal…
Ranchos de raparigas de bilha à cabeça
Que passam lá fora, cheias de estar sob o sol,
Cruzam-se com grandes grupos peganhentos de gente que anda na feira,
Gente toda misturada com as luzes das barracas, com a noite e com o luar,
E os dois grupos encontram-se e penetram-se
Até formarem só um que é os dois…
A feira e as luzes da feira e a gente que anda na feira,
E a noite que pega na feira e a levanta ao ar,
Andam por cima das copas das árvores cheias de sol,
Andam visivelmente por baixo dos penedos que luzem ao sol,
Aparecem do outro lado das bilhas que as raparigas levam à cabeça,
E toda esta paisagem de Primavera é a lua sobre a feira,
E toda a feira com ruídos e luzes é o chão deste dia de sol…
De repente alguém sacode esta hora dupla como numa peneira
E, misturado, o pó das duas realidades cai
Sobre as minhas mãos cheias de desenhos de portos
Com grandes naus que se vão e não pensam em voltar…
Pó de oiro branco e negro sobre os meus dedos…
As minhas mãos são os passos daquela rapariga que abandona a feira,
Sozinha e contente com o dia de hoje…

VI. (O TEMPO DA INFÂNCIA)

O maestro sacode a batuta,
E lânguida e triste a música rompe…
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé dum muro de quintal
Atirando-lhe com uma bola que tinha dum lado
O deslizar dum cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo…
Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo…
Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares, e a bola vem a tocar música,
Vestida de cão verde tornando-se jockey amarelo…
(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos…)
Atiro-a de encontro à minha infância e ela
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal… E a música atira com bolas
À minha infância… E o muro do quintal é feito de gestos
De batuta e rotações confusas de cães verdes
E cavalos azuis e jockeys amarelos…
Todo o teatro é um muro branco de música
Por onde um cão verde corre atrás da minha saudade
Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo…
E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,
Donde há árvores e entre os ramos ao pé da copa
Com orquestras a tocar música,
Para onde há filas de bolas na loja onde a comprei
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância…
E a música cessa como um muro que desaba,
A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto
Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo…